segunda-feira, 5 de março de 2012

I - Smart Cats and Flying Snacks

As Aventuras de Tommy Rubb e Sabrina Li - O Tesouro de Plumpton

Capítulo 1 - Gatos Espertos e Lanches Voadores
Sabrina Lipperwick limpou as galochas antes de entrar na sua nova casa.
As pedras da entrada eram até bonitinhas quando estavam limpas. Pegou uma e esperou que a chuva a lavasse. Era branca e bonita. Como não sabia o que poderia fazer com uma pedra de cascalho branco dentro de casa, a atirou longe, atingindo, sem querer, um gato preto que rodeava a casa e que fugiu assustado.
Sabrina era a única na sua nova turma que tinha uma capa de chuva vermelha. E isso não ajudou com o apelido que haviam dado a ela na outra semana. Ser chamada de Scarlett Lipstick não era bem algo que estava na sua lista de preferências. Isso realmente não a incomodava na outra escola, em Londres, mas em Plumpton tudo parecia irritá-la mais.
A chuva excessiva que começara no dia anterior fez com que ela ficasse roendo as unhas e estalando os dedos a tarde inteira.
Ao entrar em casa e tirar o capuz, Sabrina revelou belos cabelos curtos e desfiados, tão escuros que pareciam azulados na luz fluorescente do hall de entrada.
Ela sorriu.


Usava enormes óculos de grau com armações RayBan Wayfarer que escondiam olhos perspicazes de um cinza esverdeado que conferia algo de felino ao rosto oval.
Fazia uma semana que mudara com seu pai para o pequeno vilarejo. O pai havia sido enviado a Plumpton pela empresa onde trabalhava para abrir uma pequena loja e treinar alguns vendedores e funcionários. Durante uma semana ela roeu as unhas e estalou os dedos como se não houvesse amanhã. Em Londres, por mais que passasse os dias apenas olhando pela janela outras crianças se divertirem no clube em frente à sua casa, ela ainda tinha sua amiga Phoebe, internet veloz e sua escola tinha uma biblioteca incrível.
Apesar da belíssima paisagem, casas bonitas, uma igrejinha milenar e clima misterioso, Plumpton podia ser explorada em todos os seus cantos e becos sem saída em menos de dois dias, e na sua exploração, Sabrina só descobrira uma livraria com café e um antiquário que lhe interessaram.
Havia, é claro, aquela misteriosa mansão na colina atrás da escola que parecia abandonada, mas algo dizia que apesar de não morar ninguém ali, ela era vigiada todo tempo.
A casa que o pai conseguira para eles era bem melhor do que o apartamento em Londres mas ainda faltava muita coisa para ser acertada.
Após guardar suas coisas no quarto, tentou conectar-se à internet móvel no seu smartphone, mas o sinal estava ruim e ainda não haviam colocado internet nem TV a cabo na casa. O computador não tinha nada de novo para se ver e Sabrina já tinha esgotado toda a sua coleção de livros. Restou-lhe apostar com a janela qual das gotas da chuva escorria mais rápido pelo vidro e chegava primeiro no parapeito enquanto ouvia música.
Torceu silenciosamente por gotas de água até ouvir a porta de entrada bater. Desceu as escadas e deu de cara com o pai todo desengonçado, cheio de sacolas e inteiramente molhado.
Sabrina observou que nem estando molhados os cabelos escuros e ondulados do Sr. Edmond Lipperwick ficavam menos bagunçados.
Ele olhou pra cima:
- Oi, Little Lipper! Vai ficar aí em cima zombando da minha trágica aparência ou vai descer e me ajudar?
Sabrina sorriu e desceu.
- Pai, você está muito engraçado realmente. Mas me dê aqui essas sacolas. O que é isso tudo?
- Finalmente compras decentes para a cozinha!
- Ah que ótimo! Não agüentava mais comer congelados! O que teremos hoje pro jantar?
- Hmmm... Panquecas!
- Agora o senhor falou a minha língua!
- Mas antes vou lá em cima tirar essa roupa molhada e tomar um banho!
- Ok!
Sabrina observou o pai subir as escadas. Ela tinha o mesmo nariz reto e fino dele, mas enquanto seu rosto era oval, o dele era quadrado e ele tinha um furo no queixo, além de pequenos e divertidos olhos escuros por trás de enormes óculos redondos. No geral ela se parecia muito com ele, mas o Sr. Lipperwick sempre dizia que os olhos dela eram exatamente iguais aos da mãe, que ela só vira por fotos e pequenas lembranças nebulosas de antes dos quatro anos de idade.
Depois de assistir um filme repetido com o pai enquanto comiam panquecas, ela foi deitar cedo.
Tomou um susto ao dar de cara com um gato preto observando-a do lado de fora da janela.
Ele estava molhado e tremendo. Sabrina pensou um pouco. Aquilo era uma tentação.
Adorava gatos e não aguentava ver algum naquela condição, mas o pai a proibia de pegar os animais de rua por conta de doenças.
Depois de pensar um pouco, ela trancou a porta do quarto e abriu a janela, colocando o gato para dentro.
- Oi, bichinho! – Disse ela pegando o animal no colo e levando-o para o banheiro.
Enxugou-o com uma das suas toalhas reservas e secou o pelo com o seu secador de cabelo.
Enquanto secava, ela reparou que ele usava uma espécie de coleira que mais parecia um cordão de ouro com um pingente de cristal azul escuro repleto de detalhes, mas ela estava sonolenta demais para reparar neles.
-Hmm... Quer dizer que você tem dono?! O que fazia na chuva então?
O bichano apenas olhava fixamente pra ela. Ela não sabia o porquê, mas tinha a impressão de que era um olhar de agradecimento. Era até incômodo o quão expressivos e inteligentes eram os olhos verdes do gato. Com um arrepio pensou que aqueles olhos pareciam-se com os seus.
-Ok! Eu deixarei você dormir aqui hoje se prometer não fazer barulho! E já vou
avisando que não posso ficar com você, amanhã você pode achar sua casa e voltar!
Ela colocou uma almofada no seu cesto de revistas e deitou o gato nela.
Ele se enroscou todo em cima da almofada e ronronou agradecido.
-Boa noite pra você também!
Depois de apagar a luz, Sabrina dormiu tranquila enquanto o gato ronronava logo abaixo...

Quando acordou na manhã seguinte, Sabrina deu de cara com o gato se olhando no espelho da sua cômoda. Parecia triste.
-O que foi? Não está satisfeito com a sua cor ou algo assim?
O gato olhou para ela e por incrível que pareça a expressão era de pura pena!
Sabrina disse para si mesma que estava ficando paranoica e disse:
-Olha, eu vou descer e tomar café, vou colocar você lá fora pela janela e se você quiser me esperar só vou comer e sair, ok?
O gato piscou e se dirigiu sozinho à janela, e quando o fez, Sabrina arqueou as sobrancelhas.
Desceu, comeu com o pai e saiu para a aula.
O dia estava nublado, mas não havia chuva e parecia que não choveria tão cedo. Com um sorriso de satisfação no rosto, Sabrina deixou a capa de chuva vermelha e saiu. O gato a esperara.
-Hey! Você realmente me esperou! Você é bem inteligente e estranho para um gato!
O bicho roçou suas pernas e a acompanhou enquanto andavam para Plumpton’s School.
Quando ela chegou na esquina da escola, ele parou.
-Não vai pra escola também? – brincou ela.
Ele piscou, lambeu a bota da menina e sumiu no meio de um arbusto.
Sabrina deu de ombros e continuou andando. Ninguém a perturbou até na hora do intervalo, quando ela desceu para lanchar.
Enquanto comia seu sanduíche em um dos quiosques no pátio da escola um grupo de garotos da sua sala com rostos gigantes e expressões de bobos se aproximou.
- E aí Lipstick! O baton perdeu a cor foi? A gente tava a fim de lanchar hoje, mas estamos sem dinheiro, será que a nova garota da cidade grande não pode nos doar um lanchinho? – Disse o maior deles, conhecido como Big Batata. Seus olhos puxados brilhavam diante do sanduíche da menina e suas sardas sumiram um pouco quando ele ficou vermelho ao ouvir a resposta dela.
- Não é suficiente pra vocês todos, sabe? Até por que eu vejo que vocês não se satisfazem com tão pouco quanto eu...
- Pouco é melhor do que nada, concorda?
Ele avançou e tomou o sanduíche das mãos da garota.
Sabrina ficou vermelha também e estava pronta para dar um pontapé no Big Batata quando o lanche que estava na mão dele literalmente voou em direção à sua cara grande, o que fez o garoto se desequilibrar e cair em cima dos dois companheiros de trás.
Sabrina pareceu tão estupefata quanto os três brutamontes.
Uma gargalhada rouca explodiu atrás dela.
Quando se virou para olhar deu de cara com um dos garotos mais estranhos que já tinha visto. Ele tinha cabelos castanhos desgrenhados, olhos de um cinza profundo e escuro, olheiras enormes, e um sorriso travesso que mostrava belos e alvos dentes que destoavam com o resto do visual, que incluía roupas escuras e surradas cobrindo um corpo magro e um coturno desbotado.
- Só podia ter sido você seu porco imundo! – disse Big Batata indignado.
O garoto estranho levantou as sobrancelhas.
- Mas como eu faria isso estando tão longe de você?
- Não sei! Mas você sempre está perto quando coisas estranhas acontecem!
- Bem, você há de convir que foi bem merecido!
O Big Batata levantou-se furioso.
- Eu vou te pegar, seu mendigo bastardo!
Avançou bufando, mas estacou assim que o garoto misterioso disse, com uma expressão de desafio e ameaça:
- Se eu fosse você eu não faria isso...
Big Batata fez uma força enorme pra se conter, mas apenas disse:
- Eu ainda darei um jeito de te pegar, bastardo! – Virou-se para os comparsas – Vamos seus idiotas...
Sabrina observou tudo aquilo intrigada.
O garoto se aproximou dela, que encolheu um pouco. Mas ele sorriu com simpatia e disse:
- Não liga pra eles, são uns idiotas de mão cheia! Comprei dois lanches... Você quer um?
Os olhos dela ainda estavam estreitos.
- Ahhh... não, obrigada!
O garoto levantou uma sobrancelha:
- Ora, vamos lá! Você não vai ficar com fome o dia todo vai? Não está envenenado.
Sabrina não tinha tanta certeza, mas não disse nada, apenas olhou o pacote que ele oferecia. Parecia ainda quente e saído da cantina. Resolveu aceitar.
- Ok! Obrigado – disse pegando o pacote.
Deu uma bocada no sanduíche.
O garoto mordeu o dele também e disse depois:
- Sei que pareço não ter documentos, mas minha certidão de nascimento diz que chamo Thomas Rubberwick, embora todos me chamem de Tommy Rubb, e você? Qual o seu nome?
Sabrina olhou curiosamente para ele.
- Fico surpresa de não saber o meu nome!
- Eu duvido muito que você se chame Baton Vermelho...
- Sim... Meu nome é Sabrina Lipperwick... Apesar de que eu sempre assino Sabrina Li nas provas e parece que em todas as escolas que eu vou costumam me chamar de Lipstick...
-Prazer Sabrina! – Disse Tommy fitando-a com curiosidade – Eles são um bando de trouxas idiotas... Mas você não... Tem algo em você que... Você é uma trouxa diferente!
Sabrina ficou vermelha.
-Olha, se você me defendeu daqueles caras só pra que você pudesse me zoar sozinho, eu pago o sand...
-Epa! Calma! Não foi minha intenção te ofender! Desculpa, é só que... Droga!
-Bem, chamar os outros de trouxa é uma ótima maneira de demonstrar que não tem a intenção de ofender!
-Olha, no meio em que vivo, trouxa tem um sentido diferente do meio em que você vive, ok? Me desculpe.
-Hmm, você vem de algum outro país?? Fala um dialeto diferente? – perguntou Sabrina sarcástica.
Tommy pensou um pouco e pareceu pesar situações.
- Não exatamente... Na verdade eu... Hmm... Não sei se devo confiar em você.
Sabrina ia responder feio, mas o que viu nos olhos cinzentos de Tommy não foi a mesma esperteza e presunção que vira antes... Ela viu tristeza e sofrimento em quantidade maior do que deveria haver para uma criança.
- É claro que você não pode confiar em mim, eu sou uma estranha – disse ela – Só por curiosidade, quantos anos você tem?
A pergunta pareceu pegá-lo de surpresa e ao mesmo tempo fez com que a tristeza no seu olhar fosse substituída por uma raiva repentina que Sabrina pensou que não parecia direcionada a ela.
- Eu tenho 12 anos. – Disse ele parecendo tentar se controlar para não externar o que sentia.
- Hmm... – silêncio constrangedor – Eu tenho 10...
- Há quanto tempo mudou pra cá?
- Uma semana! Estou achando tudo um tédio!
- Imagino! Sair de Londres e vir pra cá não é fácil!
- Como sabe que vim de Londres? – Perguntou a garota desconfiada.
- Oras, estamos numa cidade minúscula onde quase todos se conhecem. É até clichê descrever Plumpton! É exatamente igual a um daqueles vilarejos de filmes e livros.
Sabrina olhou para Tommy novamente, com mais curiosidade ainda. Pela primeira vez, reparou que ele usava um cordão preto enfiado por baixo da camiseta. Dava pra ver que tinha um pingente. Ela ficou curiosa para saber o que era, mas resolveu falar sobre outra coisa.
- Você falou sobre Londres como se tivesse mudado de lá pra cá também!
- Nunca morei em Londres, mas vou lá sempre...
A garota franziu o cenho. Talvez estivesse sendo preconceituosa, mas não deixava de pensar que aquele garoto não parecia ter dinheiro o suficiente para viajar para Londres sempre, mesmo que Plumpton estivesse a apenas 66 km da capital.
-E gosta?
-Acho o máximo! Mas não posso morar lá, é muito mais fácil pro Min... – Ele se interrompeu, se dando conta de que ia falar demais – Bem... Eu não tenho lugar pra ficar lá, por isso não posso mudar! Se não iria! Plumpton é um lugarzinho parado...
-Sim, beeeem parado. Mas onde você mora?
O garoto hesitou.
-Bem, Plumpton não é grande então não tem por que não te contar. Moro em
Grandbrick’s Place!
Sabrina fingiu surpresa, afinal, o nome nada significava para ela e realmente não parecia um nome de uma ponte no subúrbio.
-Que legal!! – Disse, um tanto incerta.
Tommy assumiu de novo a expressão curiosa e riu.
-Você é a primeira pessoa que encontro que acha legal o fato de eu morar em
Grandbrick’s Place! Realmente você é diferente dos outros....
Nesse momento o sinal para voltar para as salas tocou.
-Bem... Hora de estudar! – Disse Tommy – Prazer conhecê-la Sabrina Li!
-O prazer foi meu, Tommy Rubb!
Os dois recém-conhecidos foram para as suas salas, ambos com a sensação estranha de que seriam grandes amigos.


Durante o resto do dia ninguém mexeu com Sabrina. Pelo menos não diretamente. Na saída da escola ela conseguiu ouvir alguns bochichos com seu nome que diziam coisas como “Ela se sentou com ele no intervalo!” “O Tommy Rubb?” “Achei que o pessoal de Londres fosse mais seletivo!” “Ahh, mas desde que chegou em Plumpton deu pra sacar que ela não é normal!” e várias outras coisas do tipo.
Sabrina já esperava reações assim, mas os comentários iam para direções que ela não compreendia. Uma coisa era certa: tinha algo errado com Tommy Rubb.
Quando estava chegando em casa, avistou o gato preto da noite anterior em cima do telhado, próximo da janela do quarto dela. Ele pareceu vê-la e miou. Mas continuou no lugar onde estava.
Sabrina levantou as sobrancelhas ao ver o pai sentado na sala.
-Oi filha!
-Oi pai! O que faz tão cedo aqui?
-Ahh tive que vir por que tenho boas notícias pra te dar!
-Ah é?! E quais são?
-Temos internet e TV a cabo!
-AHHH! Finalmente!
-Sim! A única desvantagem é que agora você vai conversar menos ainda comigo!
Sabrina baixou os olhos e sentou-se ao lado do pai, abraçando-o.
-Olha, eu prometo que vou ficar menos no computador, ok?
-Ok!
-Agora vou subir para olhar meu facebook!
-Ih, já vai começar?
Sabrina beijou o pai.
-Eu desço agorinha para fazermos panquecas juntos!
Quando começou subir as escadas, a menina parou.
-Pai, o senhor conhece Grandbrick’s Place?
-Hmm... Já ouvi falar... Pelo que ouvi é uma mansão abandonada que se não me engano fica perto da sua escola...
Sabrina congelou onde estava.
Seus olhos diziam que ela não sabia como reagir àquela informação.
Mas de uma coisa ela estava certa: A resposta dela para Tommy mais cedo quando ele disse que morava em Grandbrick’s Place não seria diferente.
Naquela noite quando foi deitar, Sabrina viu o gato na janela novamente.
Não chovia, mas ainda assim abriu a janela.
-Oi, gatinho! Ainda não achou a sua casa? Quer dormir aqui de novo?
O gato ronronou e se enroscou no parapeito da janela, como se dissesse que dormiria ali mesmo.
-Tudo bem então!
Ela então deitou na cama, deixando a janela aberta.
O gato então levantou e começou a miar olhando pra janela e em seguida para Sabrina, continuamente.
-Ta bom, ta bom! Tudo bem se você quer que eu feche a janela na sua cara!
Ela fechou a janela e o gato se enroscou no parapeito e fechou os olhos.
Sabrina dormiu, mas ao contrário da noite anterior, não foi um sono tranquilo.
Ela teve muitos sonhos e pesadelos confusos que envolviam Grandbrick’s Place, um gato preto, um garoto de olhos cinzentos, uma jóia de antiquário, uma maldição e um enorme castelo com muitas crianças que usavam varinhas mágicas...

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