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As Aventuras de Tommy Rubb e Sabrina Li - O Tesouro de Plumpton Capítulo 1 - Gatos Espertos e Lanches Voadores |
As pedras da entrada eram até
bonitinhas quando estavam limpas. Pegou uma e esperou que a chuva a lavasse.
Era branca e bonita. Como não sabia o que poderia fazer com uma pedra de
cascalho branco dentro de casa, a atirou longe, atingindo, sem querer, um gato
preto que rodeava a casa e que fugiu assustado.
Sabrina era a única na sua nova turma
que tinha uma capa de chuva vermelha. E isso não ajudou com o apelido que
haviam dado a ela na outra semana. Ser chamada de Scarlett Lipstick não era bem
algo que estava na sua lista de preferências. Isso realmente não a incomodava
na outra escola, em Londres, mas em Plumpton tudo parecia irritá-la mais.
A chuva excessiva que começara no dia
anterior fez com que ela ficasse roendo as unhas e estalando os dedos a tarde
inteira.
Ao entrar em casa e tirar o capuz, Sabrina revelou belos cabelos curtos e desfiados,
tão escuros que pareciam azulados na luz fluorescente do hall de entrada.Ela sorriu.
Usava enormes óculos de grau com
armações RayBan Wayfarer que escondiam olhos perspicazes de um cinza esverdeado
que conferia algo de felino ao rosto oval.
Fazia uma semana que mudara com seu
pai para o pequeno vilarejo. O pai havia sido enviado a Plumpton pela empresa
onde trabalhava para abrir uma pequena loja e treinar alguns vendedores e
funcionários. Durante uma semana ela roeu as unhas e estalou os dedos como se
não houvesse amanhã. Em Londres, por mais que passasse os dias apenas olhando
pela janela outras crianças se divertirem no clube em frente à sua casa, ela
ainda tinha sua amiga Phoebe, internet veloz e sua escola tinha uma biblioteca
incrível.
Apesar da belíssima paisagem, casas
bonitas, uma igrejinha milenar e clima misterioso, Plumpton podia ser explorada
em todos os seus cantos e becos sem saída em menos de dois dias, e na sua
exploração, Sabrina só descobrira uma livraria com café e um antiquário que lhe
interessaram.
Havia, é claro, aquela misteriosa
mansão na colina atrás da escola que parecia abandonada, mas algo dizia que
apesar de não morar ninguém ali, ela era vigiada todo tempo.
A casa que o pai conseguira para eles
era bem melhor do que o apartamento em Londres mas ainda faltava muita coisa
para ser acertada.
Após guardar suas coisas no quarto,
tentou conectar-se à internet móvel no seu smartphone,
mas o sinal estava ruim e ainda não haviam colocado internet nem TV a cabo na
casa. O computador não tinha nada de novo para se ver e Sabrina já tinha
esgotado toda a sua coleção de livros. Restou-lhe apostar com a janela qual das
gotas da chuva escorria mais rápido pelo vidro e chegava primeiro no parapeito
enquanto ouvia música.
Torceu silenciosamente por gotas de
água até ouvir a porta de entrada bater. Desceu as escadas e deu de cara com o pai
todo desengonçado, cheio de sacolas e inteiramente molhado.
Sabrina observou que nem estando
molhados os cabelos escuros e ondulados do Sr. Edmond Lipperwick ficavam menos
bagunçados.
Ele olhou pra cima:
- Oi, Little Lipper! Vai ficar aí em
cima zombando da minha trágica aparência ou vai descer e me ajudar?
Sabrina sorriu e desceu.
- Pai, você está muito engraçado
realmente. Mas me dê aqui essas sacolas. O que é isso tudo?
- Finalmente compras decentes para a
cozinha!
- Ah que ótimo! Não agüentava mais
comer congelados! O que teremos hoje pro jantar?
- Hmmm... Panquecas!
- Agora o senhor falou a minha língua!
- Mas antes vou lá em cima tirar essa
roupa molhada e tomar um banho!
- Ok!
Sabrina observou o pai subir as
escadas. Ela tinha o mesmo nariz reto e fino dele, mas enquanto seu rosto era
oval, o dele era quadrado e ele tinha um furo no queixo, além de pequenos e
divertidos olhos escuros por trás de enormes óculos redondos. No geral ela se
parecia muito com ele, mas o Sr. Lipperwick sempre dizia que os olhos dela eram
exatamente iguais aos da mãe, que ela só vira por fotos e pequenas lembranças
nebulosas de antes dos quatro anos de idade.
Depois de assistir um filme repetido
com o pai enquanto comiam panquecas, ela foi deitar cedo.
Tomou um susto ao dar de cara com um
gato preto observando-a do lado de fora da janela.
Ele estava molhado e tremendo. Sabrina
pensou um pouco. Aquilo era uma tentação.
Adorava gatos e não aguentava ver
algum naquela condição, mas o pai a proibia de pegar os animais de rua por
conta de doenças.
Depois de pensar um pouco, ela trancou
a porta do quarto e abriu a janela, colocando o gato para dentro.
- Oi, bichinho! – Disse ela pegando o animal
no colo e levando-o para o banheiro.
Enxugou-o com uma das suas toalhas
reservas e secou o pelo com o seu secador de cabelo.
Enquanto secava, ela reparou que ele
usava uma espécie de coleira que mais parecia um cordão de ouro com um pingente
de cristal azul escuro repleto de detalhes, mas ela estava sonolenta demais
para reparar neles.
-Hmm... Quer dizer que você tem dono?!
O que fazia na chuva então?
O bichano apenas olhava fixamente pra
ela. Ela não sabia o porquê, mas tinha a impressão de que era um olhar de
agradecimento. Era até incômodo o quão expressivos e inteligentes eram os olhos
verdes do gato. Com um arrepio pensou que aqueles olhos pareciam-se com os
seus.
-Ok! Eu deixarei você dormir aqui hoje
se prometer não fazer barulho! E já vou
avisando que não posso ficar com você,
amanhã você pode achar sua casa e voltar!
Ela colocou uma almofada no seu cesto
de revistas e deitou o gato nela.
Ele se enroscou todo em cima da
almofada e ronronou agradecido.
-Boa noite pra você também!
Depois de apagar a luz, Sabrina dormiu
tranquila enquanto o gato ronronava logo abaixo...
Quando acordou na manhã seguinte,
Sabrina deu de cara com o gato se olhando no espelho da sua cômoda. Parecia
triste.
-O que foi? Não está satisfeito com a
sua cor ou algo assim?
O gato olhou para ela e por incrível
que pareça a expressão era de pura pena!
Sabrina disse para si mesma que estava
ficando paranoica e disse:
-Olha, eu vou descer e tomar café, vou
colocar você lá fora pela janela e se você quiser me esperar só vou comer e
sair, ok?
O gato piscou e se dirigiu sozinho à
janela, e quando o fez, Sabrina arqueou as sobrancelhas.
Desceu, comeu com o pai e saiu para a
aula.
O dia estava nublado, mas não havia
chuva e parecia que não choveria tão cedo. Com um sorriso de satisfação no rosto,
Sabrina deixou a capa de chuva vermelha e saiu. O gato a esperara.
-Hey! Você realmente me esperou! Você
é bem inteligente e estranho para um gato!
O bicho roçou suas pernas e a
acompanhou enquanto andavam para Plumpton’s School.
Quando ela chegou na esquina da
escola, ele parou.
-Não vai pra escola também? – brincou
ela.
Ele piscou, lambeu a bota da menina e
sumiu no meio de um arbusto.
Sabrina deu de ombros e continuou
andando. Ninguém a perturbou até na hora do intervalo, quando ela desceu para
lanchar.
Enquanto comia seu sanduíche em um dos
quiosques no pátio da escola um grupo de garotos da sua sala com rostos
gigantes e expressões de bobos se aproximou.
- E aí Lipstick! O baton perdeu a cor
foi? A gente tava a fim de lanchar hoje, mas estamos sem dinheiro, será que a
nova garota da cidade grande não pode nos doar um lanchinho? – Disse o maior
deles, conhecido como Big Batata. Seus olhos puxados brilhavam diante do
sanduíche da menina e suas sardas sumiram um pouco quando ele ficou vermelho ao
ouvir a resposta dela.
- Não é suficiente pra vocês todos,
sabe? Até por que eu vejo que vocês não se satisfazem com tão pouco quanto
eu...
- Pouco é melhor do que nada,
concorda?
Ele avançou e tomou o sanduíche das
mãos da garota.
Sabrina ficou vermelha também e estava
pronta para dar um pontapé no Big Batata quando o lanche que estava na mão dele
literalmente voou em direção à sua cara grande, o que fez o garoto se
desequilibrar e cair em cima dos dois companheiros de trás.
Sabrina pareceu tão estupefata quanto
os três brutamontes.
Uma gargalhada rouca explodiu atrás
dela.
Quando se virou para olhar deu de cara
com um dos garotos mais estranhos que já tinha visto. Ele tinha cabelos
castanhos desgrenhados, olhos de um cinza profundo e escuro, olheiras enormes, e
um sorriso travesso que mostrava belos e alvos dentes que destoavam com o resto
do visual, que incluía roupas escuras e surradas cobrindo um corpo magro e um
coturno desbotado.
- Só podia ter sido você seu porco
imundo! – disse Big Batata indignado.
O garoto estranho levantou as
sobrancelhas.
- Mas como eu faria isso estando tão
longe de você?
- Não sei! Mas você sempre está perto
quando coisas estranhas acontecem!
- Bem, você há de convir que foi bem
merecido!
O Big Batata levantou-se furioso.
- Eu vou te pegar, seu mendigo
bastardo!
Avançou bufando, mas estacou assim que
o garoto misterioso disse, com uma expressão de desafio e ameaça:
- Se eu fosse você eu não faria
isso...
Big Batata fez uma força enorme pra se
conter, mas apenas disse:
- Eu ainda darei um jeito de te pegar,
bastardo! – Virou-se para os comparsas – Vamos seus idiotas...
Sabrina observou tudo aquilo
intrigada.
O garoto se aproximou dela, que
encolheu um pouco. Mas ele sorriu com simpatia e disse:
- Não liga pra eles, são uns idiotas
de mão cheia! Comprei dois lanches... Você quer um?
Os olhos dela ainda estavam estreitos.
- Ahhh... não, obrigada!
O garoto levantou uma sobrancelha:
- Ora, vamos lá! Você não vai ficar
com fome o dia todo vai? Não está envenenado.
Sabrina não tinha tanta certeza, mas
não disse nada, apenas olhou o pacote que ele oferecia. Parecia ainda quente e
saído da cantina. Resolveu aceitar.
- Ok! Obrigado – disse pegando o
pacote.
Deu uma bocada no sanduíche.
O garoto mordeu o dele também e disse
depois:
- Sei que pareço não ter documentos,
mas minha certidão de nascimento diz que chamo Thomas Rubberwick, embora todos me
chamem de Tommy Rubb, e você? Qual o seu nome?
Sabrina olhou curiosamente para ele.
- Fico surpresa de não saber o meu
nome!
- Eu duvido muito que você se chame
Baton Vermelho...
- Sim... Meu nome é Sabrina
Lipperwick... Apesar de que eu sempre assino Sabrina Li nas provas e parece que
em todas as escolas que eu vou costumam me chamar de Lipstick...
-Prazer Sabrina! – Disse Tommy
fitando-a com curiosidade – Eles são um bando de trouxas idiotas... Mas você
não... Tem algo em você que... Você é uma trouxa diferente!
Sabrina ficou vermelha.
-Olha, se você me defendeu daqueles
caras só pra que você pudesse me zoar sozinho, eu pago o sand...
-Epa! Calma! Não foi minha intenção te
ofender! Desculpa, é só que... Droga!
-Bem, chamar os outros de trouxa é uma
ótima maneira de demonstrar que não tem a intenção de ofender!
-Olha, no meio em que vivo, trouxa tem
um sentido diferente do meio em que você vive, ok? Me desculpe.
-Hmm, você vem de algum outro país??
Fala um dialeto diferente? – perguntou Sabrina sarcástica.
Tommy pensou um pouco e pareceu pesar
situações.
- Não exatamente... Na verdade eu...
Hmm... Não sei se devo confiar em você.
Sabrina ia responder feio, mas o que
viu nos olhos cinzentos de Tommy não foi a mesma esperteza e presunção que vira
antes... Ela viu tristeza e sofrimento em quantidade maior do que deveria haver
para uma criança.
- É claro que você não pode confiar em
mim, eu sou uma estranha – disse ela – Só por curiosidade, quantos anos você
tem?
A pergunta pareceu pegá-lo de surpresa
e ao mesmo tempo fez com que a tristeza no seu olhar fosse substituída por uma
raiva repentina que Sabrina pensou que não parecia direcionada a ela.
- Eu tenho 12 anos. – Disse ele
parecendo tentar se controlar para não externar o que sentia.
- Hmm... – silêncio constrangedor – Eu
tenho 10...
- Há quanto tempo mudou pra cá?
- Uma semana! Estou achando tudo um
tédio!
- Imagino! Sair de Londres e vir pra
cá não é fácil!
- Como sabe que vim de Londres? – Perguntou
a garota desconfiada.
- Oras, estamos numa cidade minúscula
onde quase todos se conhecem. É até clichê descrever Plumpton! É exatamente
igual a um daqueles vilarejos de filmes e livros.
Sabrina olhou para Tommy novamente,
com mais curiosidade ainda. Pela primeira vez, reparou que ele usava um cordão
preto enfiado por baixo da camiseta. Dava pra ver que tinha um pingente. Ela
ficou curiosa para saber o que era, mas resolveu falar sobre outra coisa.
- Você falou sobre Londres como se
tivesse mudado de lá pra cá também!
- Nunca morei em Londres, mas vou lá
sempre...
A garota franziu o cenho. Talvez
estivesse sendo preconceituosa, mas não deixava de pensar que aquele garoto não
parecia ter dinheiro o suficiente para viajar para Londres sempre, mesmo que
Plumpton estivesse a apenas 66 km da capital.
-E gosta?
-Acho o máximo! Mas não posso morar
lá, é muito mais fácil pro Min... – Ele se interrompeu, se dando conta de que
ia falar demais – Bem... Eu não tenho lugar pra ficar lá, por isso não posso
mudar! Se não iria! Plumpton é um lugarzinho parado...
-Sim, beeeem parado. Mas onde você
mora?
O garoto hesitou.
-Bem, Plumpton não é grande então não
tem por que não te contar. Moro em
Grandbrick’s Place!
Sabrina fingiu surpresa, afinal, o
nome nada significava para ela e realmente não parecia um nome de uma ponte no
subúrbio.
-Que legal!! – Disse, um tanto
incerta.
Tommy assumiu de novo a expressão
curiosa e riu.
-Você é a primeira pessoa que encontro
que acha legal o fato de eu morar em
Grandbrick’s Place! Realmente você é
diferente dos outros....
Nesse momento o sinal para voltar para
as salas tocou.
-Bem... Hora de estudar! – Disse Tommy
– Prazer conhecê-la Sabrina Li!
-O prazer foi meu, Tommy Rubb!
Os dois recém-conhecidos foram para as
suas salas, ambos com a sensação estranha de que seriam grandes amigos.
Durante o resto do dia ninguém mexeu
com Sabrina. Pelo menos não diretamente. Na saída da escola ela conseguiu ouvir
alguns bochichos com seu nome que diziam coisas como “Ela se sentou com ele no
intervalo!” “O Tommy Rubb?” “Achei que o pessoal de Londres fosse mais
seletivo!” “Ahh, mas desde que chegou em Plumpton deu pra sacar que ela não é
normal!” e várias outras coisas do tipo.
Sabrina já esperava reações assim, mas
os comentários iam para direções que ela não compreendia. Uma coisa era certa:
tinha algo errado com Tommy Rubb.
Quando estava chegando em casa,
avistou o gato preto da noite anterior em cima do telhado, próximo da janela do
quarto dela. Ele pareceu vê-la e miou. Mas continuou no lugar onde estava.
Sabrina levantou as sobrancelhas ao
ver o pai sentado na sala.
-Oi filha!
-Oi pai! O que faz tão cedo aqui?
-Ahh tive que vir por que tenho boas
notícias pra te dar!
-Ah é?! E quais são?
-Temos internet e TV a cabo!
-AHHH! Finalmente!
-Sim! A única desvantagem é que agora
você vai conversar menos ainda comigo!
Sabrina baixou os olhos e sentou-se ao
lado do pai, abraçando-o.
-Olha, eu prometo que vou ficar menos
no computador, ok?
-Ok!
-Agora vou subir para olhar meu
facebook!
-Ih, já vai começar?
Sabrina beijou o pai.
-Eu desço agorinha para fazermos
panquecas juntos!
Quando começou subir as escadas, a
menina parou.
-Pai, o senhor conhece Grandbrick’s
Place?
-Hmm... Já ouvi falar... Pelo que ouvi
é uma mansão abandonada que se não me engano fica perto da sua escola...
Sabrina congelou onde estava.
Seus olhos diziam que ela não sabia
como reagir àquela informação.
Mas de uma coisa ela estava certa: A
resposta dela para Tommy mais cedo quando ele disse que morava em Grandbrick’s
Place não seria diferente.
Naquela noite quando foi deitar,
Sabrina viu o gato na janela novamente.
Não chovia, mas ainda assim abriu a
janela.
-Oi, gatinho! Ainda não achou a sua
casa? Quer dormir aqui de novo?
O gato ronronou e se enroscou no
parapeito da janela, como se dissesse que dormiria ali mesmo.
-Tudo bem então!
Ela então deitou na cama, deixando a
janela aberta.
O gato então levantou e começou a miar
olhando pra janela e em seguida para Sabrina, continuamente.
-Ta bom, ta bom! Tudo bem se você quer
que eu feche a janela na sua cara!
Ela fechou a janela e o gato se
enroscou no parapeito e fechou os olhos.
Sabrina dormiu, mas ao contrário da
noite anterior, não foi um sono tranquilo.
Ela
teve muitos sonhos e pesadelos confusos que envolviam Grandbrick’s Place, um gato
preto, um garoto de olhos cinzentos, uma jóia de antiquário, uma maldição e um enorme
castelo com muitas crianças que usavam varinhas mágicas...
Jon, vc é, simplesmente, demais!
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